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A meditação não é sobre ganhos, mas sobre perdas.

Muitas vezes se fala da meditação como se você “ganhasse” insights com a prática — algo como “vou alcançar a entrada na corrente” — mas, na verdade, trata-se de perda. Ela afrouxa a construção do eu-outro e solta a rigidez das nossas representações mentais do mundo. A boa notícia é que há muito amor, compaixão e liberdade a serem encontrados, mas o outro lado é a perda do orgulho próprio, a perda da distância emocional e a perda da fé em várias estruturas/dogmas/modelos intelectuais. Você se sente mais vulnerável e menos protegido, e ainda assim ganha maior resiliência e equanimidade. É paradoxal, em última análise, por isso um pouco difícil de descrever.

Como outros já disseram, esses efeitos são relativamente comuns. É meio irônico... quando pessoas equilibradas começam a meditar e passam por mudanças, muitas vezes ficam desequilibradas. Quando pessoas desequilibradas começam a meditar e passam por mudanças, muitas vezes ficam reequilibradas.

No fim das contas, as coisas podem permanecer as mesmas ou continuar mudando. As mudanças também levam tempo para se normalizarem. Muitos insights acontecem e parecem estranhos por um tempo, mas depois se tornam o novo normal. Uma coisa que posso dizer é que “o eu que sabe” não muda — e isso já é uma grande pista. Então pode parecer insano às vezes, mas se você pensar bem, o eu que sabe está consciente dessas mudanças e permanece o mesmo. Todo o resto realmente não é o eu.

... A meditação tem uma forma de revelar nossas resistências, defesas e apegos. É uma prática muito profunda que reorganiza radicalmente como nos relacionamos com o mundo. Dá para entender por que mudanças na moralidade podem estar correlacionadas à prática — qualquer resistência, medo ou má vontade é amplificado e transformado em um problema que você precisa enfrentar para progredir. A prática revela todas as maneiras como o eu se cria e forma uma atitude de ganância, aversão ou indiferença em relação ao outro. Isso não é um insight sobre algum aspecto abstrato do eu e do outro, mas sim sobre como eu e outro são criados a cada instante e como a ganância, a aversão e a indiferença surgem em cada ponto de vista.

Isso pode ser algo muito difícil de enxergar para pessoas que têm uma visão de mundo muito sólida. Esses insights, de certa forma, são mais fáceis para quem já passou por traumas ou está sofrendo, porque também apontam para um caminho além dessas visões rígidas de sua situação. A saída é segurar as coisas de forma um pouco mais solta e provisória, identificando-se menos com as condições e mais com “aquele que sabe”.

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